quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

MEMORABILIA #18





















Na chuvosa manhã de sábado passado, ali parados a contemplar a ruína à espera do verde do semáforo, o desgosto conduziu-nos involuntariamente a um leve abanar de cabeça... O quase irreconhecível edifício da Praça da República onde funcionou o Instituto Francês do Porto vai-se desfazendo e enegrecendo a olhos vistos, um encerramento e um posterior incêndio que nunca foram bem explicados e, pior, não devidamente solucionados. Por lá passamos horas infinitas de diversão no jardim traseiro, onde havia um espectacular retiro azulejado perfeito para umas futeboladas e correrias, e também importantes momentos de aprendizagem nas diversas salas do palacete, desde as da cave ate às dos dois andares superiores, as preferidas já que permitiam, à saída, percorrer as escadas sentados no corrimão de madeira em jeito de escorregão, desafio e hábito trazido do velhinho Liceu Rainha Santa Isabel da Rua do Heroísmo. A tradição familiar impôs-nos, desde o secundário, a frequência de verdadeiras lições de língua francesa, o que o Instituto cumpria rigorosamente já que a maioria dos professores, nativos de França, mantinham uma exigência pedagógica onde as acentuações e as regras gramaticais eram pedra de toque obrigatórias e tormentosas. Mas a essa formalidade juntava-se um imenso gosto pela cultura francesa onde as incontornáveis gastronomia, literatura e música ocupavam lugar destacado e que tinham na excelente biblioteca do Instituto um recurso permanentemente actualizado com livros, jornais, revistas e discos... em vinil!

Foi um deles que imediatamente nos veio à memória naquele momento. Trazido debaixo do braço da professora, Madame Millez de seu nome, enorme senhora de arqueado e intocável penteado branco, ela invadia a sala já a cantarolar o "La Bohême" de Charles Aznavour, canção que, como muitas outras de Brel, Piaf ou Bécaud, haveríamos de ouvir vezes sem conta até que a destrinça e a compreensão da letra não permitisse dúvidas. Repetido, muitas vezes a pedido, pelo mágico levantar da agulha do gira-discos previamente instalado na sala, esse clássico de Aznavour era (é!) um hino fascinante e intemporal à cidade de Paris e, já agora, à cultura gaulesa, que permitia ainda que a saudosa professora não dispensasse uns passos de valsa quando a canção se aproximava do fim para gáudio e sorriso colectivo da turma! Uma ida a Paris em 1985 (?), a primeira, numa viagem de uma semana organizada pelo próprio Instituto, foi o culminar desses tempos mas nessa época já os nossos gostos musicais começavam a apontar mais a Norte - os Smiths e os The Sound rolavam já em K7's gravadas em Campanhã onde o amigo HugTheDj mantinha e fazia crescer uma notável colecção de discos - lembramos bem que, a seu pedido, trouxemos da capital francesa o vinil do "Treasure" dos Cocteau Twins, uma verdadeira raridade por cá e que compramos numa enorme FNAC em pleno Centro George Pompidou.    

Quando retomamos o hábito do vinil, deparamos amiúde com singles de cantores franceses que fomos "catando" em catadupa, hábito que resultou já numa caixa inteira de referências desses tempos do Instituto Francês. Um dos primeiros que recolhemos, gasto e usado até à exaustão, foi a rodela pequena do "La Bohéme" editada em 1965 que acima se reproduz e que, mesmo assim, é a que menos vezes aparece entre os muitos que Aznavour editou, talvez porque a canção seja mesmo a que muitos procuram ou insistam em guardar, merecidamente, para sempre. Bem dita nostalgia!              

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