sexta-feira, 17 de maio de 2024

HERMANOS GUTIÉRREZ, GUAY!





















Os manos Alejandro e Estevan cresceram na Suiça, país natal do pai casado com a mãe equatoriana. Envolvidos na música desde 2015, tomaram o nome de família para formarem, naturalmente, os Hermanos Gutiérrez e onde passaram a assumir, à guitarra, as influências de Morricone e dos Spaghetti Western em instrumentais cinematográficos fundidos num molho vintage latino e picante. 

Em 2022 acabaram por ter um reconhecimento mais abrangente com o lançamento de "El Bueno y El Malo" na editora Easy Eye Sound, casa do guitarrista Dan Auerbach dos Black Keys que assumiu ainda a produção do disco. Um dos temas - "Tres Hermanos" - acabou por receber a prestação do próprio Auerbach. Nessa altura (Outubro), chegaram visitar o Porto para uma noite mais que esgotada nuns Maus Hábitos já em pré-reboliço e a fama foi-se avolumando, culminando com realização de um mais que requisitado Tiny Desk Concerts da rádio NPR americana. A receita, vencedora, terá em breve nova dose mística.

O quinto álbum, também ele produzido por Auerbach e com selo da mesma editora, chama-se "Sonido Cosmico" e está apontado chegar às lojas no dia 14 de Junho. A dimensão sonora ganha agora contornos de uma odisseia saborosa entre o kitch e o espiritual que poderá ser testada presencialmente a 14 de Agosto próximo, o primeiro dia do Festival Paredes de Coura. Guay!



terça-feira, 14 de maio de 2024

MASTER DE CLASSE!

JULIA JACKLIN, SOLO EM GUIMARÃES!





















Entre as seis cidades anunciadas para receber a tournée a solo de Julia Jacklin em Setembro e Outubro próximos, acontece o milagre de encontrar o Teatro Jordão de Guimarães como o local de termino de um périplo exclusivo! Bilhetes a partir de sexta-feira, dia 17 de Maio. A magia a aplicar será, previsivelmente, do tipo abaixo...

segunda-feira, 13 de maio de 2024

MORENO VELOSO, IRRESISTÍVEL!

Na recente passagem por Espinho de Moreno Veloso ao lado do primo Bem Gil foram apresentados alguns temas de um novo álbum, como confessado, já então gravado mas de que não foi divulgado o título. 

Pois bem, chama-se "Mundo Paralelo", é o primeiro, ao fim de dez anos, desde "Coisa Boa", e é temperado no samba e na MPB num vavivém de estúdios caseiros entre o Rio de Janeiro e Lisboa, cidades onde foram acertadas as colaborações (Domenico Lancellotti na bateria e glockenspiel, Pedro Sá na guitarra, Ricardo Dias Gomes no baixo e sintetizador e Rodrigo Bártolo nos sintetizadores) e afinações mas que não perde de vista a Salvador natal. 

Entre os dez temas há uma versão de “Deixa Estar”, canção de Marina Lima gravada em 1998, e neles rodam e pairam o pai Caetano Veloso e a tia Maria Bethânia para quem compôs, com Luís Filipe de Lima, o tema "É de Hoje" que a mesma tia apreciou na perfeição mas que decidiu não gravar, segundo história contada no concerto espinhense. 

Nele também se deu a conhecer o tema-título "Mundo Paralelo" composto com o conterrâneo Tiganá Santana e o fantástico "A Donzela se Casou", tocado com "prato-e-faca", método inicial usado no registo para o disco e para o que convidou a família (os irmãos Zeca e Tom, o pai Caetano e a tia Bethânia) a juntar-se ao ritmo do samba e da roda. Irresistível!



A SONHAR COM ADRIANNE LENKER!

A curta digressão pela Europa de Abril último levou Adrianne Lenker à Irlanda onde registou uma magnífica sessão a solo no elisabetano Ormond Castle para o projecto Other Voices. Vinte minutos de sonho para nos fazer sonhar com uma oportunidade semelhante... Até quando?  

sexta-feira, 10 de maio de 2024

LATTIMORE E McCLEMENTS, PLANADOR!















A cumplicidade entre a harpa de Mary Lattimore e uma série de instrumentos a cargo de Walt McClements teve como ponto de partida uma viagem num furgão, contando histórias e tocando juntos em concertos formais. A experiência valeu, desde logo, a promessa de registarem um disco colaborativo o que se concretiza no dia de hoje com a edição oficial de "Rain On The Road" pela Thrill Jockey

O álbum de cinco peças foi como que "pintado" com sons e tons, onde a harpa se confunde nos sintetizadores, no piano ou no acordeão, preenchendo paisagens sonoras que tanto remeteram para memórias da estrada como para saudades de casa. Esticam-se, pois, os limites dos instrumentos, reinventando as dimensões de uma fusão que a prolongada chuva de um Dezembro em Los Angeles os confinou ao estúdio de McClements situado no próprio apartamento. A improvisação expandiu-se, naturalmente, a novas ideias e soluções que, em conjunto, são mesmo garantia de um voo planador levado por um vento... de beleza!


3x20 MAIO

quinta-feira, 9 de maio de 2024

MAZARIN A DOIS PASSOS!





















A apresentação ao vivo do excelente álbum "Pendular" que marca a estreia dos Mazarin em grande formato terá digressão já este mês, chegando ao Passos Manuel no dia 30 de Abril, quinta-feira (coincidência, no mesmo dia os BadBadNotGood tocam na Aula Magna lisboeta...) 

O disco, já por aqui reomendado, tem versão de vinil amarelo exlusiva da loja Lucky Lux de Coimbra limitada a cinquenta exemplares numerados! Os caçadores de raridades poderão, sem certezas, tentar a sorte neste link

UAUU #718

quarta-feira, 8 de maio de 2024

FIELD MUSIC, RARIDADE EM VINIL!





















No mundo das canções em que os adorados Field Music se distinguem não existem restrições. A solo ou em parceria, os irmãos Brewis vão-se multiplicando em desafios motivadores e o que aqui damos conta têm já dois anos - no âmbito do Durham Brass Festival, foi escrita e composta uma nova suite inspirada em Redhills, sede da Durham Miners'Association inglesa, que deveria ser posteriormente tocada no local com a banda de metais NASUWT Riverside em Julho de 2021. Mas as restrições impostas pela Covid 19 haveriam de fazer abortar a apresentação, adiada para o verão do ano seguinte no teatro de Durham, nordeste de Inglaterra. 

Havia nessa composição inicial momentos que contam histórias de mineiros que foram colocados na lista negra por sindicalização ou que abordam a injustiça do vínculo anual, onde mineiros, na sua maioria analfabetos, se retiravam em cativeiro por medo de ficar sem trabalho. A suite foi depois modificada numa série de dez canções preparadas para sete metais da referida NASUWT Riverside Band e que agora estão reunidas num vinil exclusivo editado no Record Store Day de Abril último.

O disco, editado pela Daylight Saving Records, chama-se "Binding Time" e completa uma trilogia de lançamentos dos Field Music sobre temas sócio-históricos, seguindo-se a "Music for Drifters" de 2015 e "Making a New World" de 2021, projecto que examinou as consequências sociais e tecnológicas da Primeira Guerra Mundial. A sua audição é inexistente, não havendo online qualquer streaming destas novidades. O documentário abaixo, um excelente testemunho quanto aos métodos e truques do duo maravilha, permite descobrir e destapar um desses inéditos...

STEVE ALBINI (1962-2024)

fotografia: Don Blandford
















O nome de Steve Albini ficará eternamente associado a grandes discos dos Pixies, dos Nirvana ou PJ Harvey. Em estúdio, rodeado de aparelhagens e botões, a eficácia da sua magia técnica elevou muitas das canções a um estatuto de perfeição rapidamente plagiado, marca de prestígio na produção musical de que nunca mais se livrou. 

Mas foi em palco que lhe tiramos a boa pinta. Guitarrista e vocalista dos Shellac, foi desde uma troca de piadas e risadas numa final de um concerto em Serralves em 2010, entre autógrafos e abraços, que passamos a reconhecer-lhe uma veia nonsense e sarcástica que se espalha, afinal, a muitas dos temas da banda. Da sua potência, da sua acutilância e desde 2012, saboreamos a prova no Parque da Cidade em todos os seus palcos como se fosse sempre a primeira vez. Albini faleceu no dia de ontem devido a um repentino ataque cardíaco. Peace!

terça-feira, 7 de maio de 2024

THE WOODENTOPS, EFEITO TERRA!





















Os britânicos The Woodentops, uma das nossas bandas fetiche dos anos oitenta, escondem-se em algumas estratégias de "aparece-desaparece" muito ao jeito da postura do vocalista e guitarrista Rolo McGinty. Um novo tema submergiu há mais de um ano para gáudio de uma legião de fãs ferrenhos, tendo "Ride A Cloud" recebido um curioso video no final de 2023, o que acalentou boas esperanças em algo de mais consistente. O filme, baseado numa história verídica, é uma colaboração da banda com a Wild Something Films e é dedicado a todos os que trabalharam e contribuíram para construção e funcionamento do telescópio espacial Hubble, lançado em 1990 e que ainda hoje nos permite situar no espaço sideral. 

Não foi, pois, com surpresa que o disco "Fruits Of The Deep" foi editado no último mês precisamente no dia 22 de Abril, dia da Terra. O sucessor de "Granular Tales" de 2014 comporta catorze novos temas amadurecidos ao longo de uma década, usando uma variedade de fontes e recursos, que vão desde gravação analógica ao vivo até criação digital programada e mutante de software, usando filtragem gráfica e de áudio. A imagem da capa permitiu a inspiração para "The Fishermen Leave At Dusk", um longo tema, a encerrar o álbum, de imediato inconformismo e visionarismo que caracterizam uma banda, ainda e sempre, com os pés bem assentes na terra!



sexta-feira, 3 de maio de 2024

CHANTAL ACDA, COLECTIVO JAZZ!





















A Chantal Acda não parecem faltar amigos. Com o pianista italiano Bruno Bavata fez um belo de um disco em plena pandemia e hoje foi lançado "Silently Held" com uns tais The Atlantic Drifters, um colectivo de eleição com feições jazz onde, para além do habitual parceiro Eric Thielmans na bateria, Bill Frisell toca guitarra, Thomas Morgan o contrabaixo, Shahzad Ismaily o piano e o magnifico Colin Stetson o seu vincado saxofone! O álbum recebeu ainda contribuições de outros músicos como Niels Van Heertum, Kurt van Herck, Joachim Badenhorst e Jozef Dumoulin. 

Reza a história que os temas foram, quase sempre, obtidos num só take em Brooklyn, Nova Iorque, pela mestria do produtor Philip Weinrobe, afamado pelo seu trabalho com os Dirty Projectors ou Adrianne Lenker - talvez seja esta a explicação para uma versão de "Ruined" da mais recente maravilha de Lenker e que Acda decidiu corajosamente partilhar (para ouvir lá em baixo). O disco foi, depois, misturado pelo amigo Phill Brown em Praga. 

O tema "I Can't Make You Love Me" é uma versão de Bonnie Raitt que recebeu imagens do amigo Borgar Magnason registadas numa praia de areia negra da Islândia. Acentua, com os restantes, uma maior aceitação do lado negro e frágil da sua vida, silenciado, como expressa o título do disco, durante muito tempo. A filha Lóa Bouwmeester desenhou a imagem da capa, recebeu design consagrado do holandês Rutger Zuydervelt e tem selo da Challenge Records.




quinta-feira, 2 de maio de 2024

CHILLY "GONZO" GONZALES!





















Novo mês, novas de Chilly Gonzales. Depois do controverso "F*ck Wagner", anuncia-se o regresso a um projecto iniciado em 2011 chamado "The Unspeakable Chilly Gonzales" e onde o rap orquestral era receita arriscada. 

Mais de uma década depois, em 2022, o artista voltou aos jogos de palavras onde não dispensa a menção a nomes de figurões como Ron Jeremy, Marie Kondo, Genghis Khan ou Phillip Glass, um misto de confissão e persuasão sob a alcunha de "Gonzo", tratamento antigo entre amigos e que agora foi escolhido como nome de álbum a editar pela Gentle Treat em Setembro, casa do próprio cromo. 

A pergunta é pertinente - é este realmente um álbum de rap? Bem, prometidas estão peças instrumentais de genialidade assumida ("Fidelio" aproxima-se de Stravinsky e "Eau de Cologne" ganha estatuto de extravagância), uma estratégia para que os ouvintes assentem as rimas dos versos dos temas anteriores... Nada como experimentar este inenarrável "Poem"!

quarta-feira, 1 de maio de 2024

PAUL AUSTER (1947-2024)














Não nos lembramos se foi a partir do cinema que passamos a ler Paul Auster ou se foi o contrário. Certo é que a notícia de um novo romance do escritor norte-americano era razão suficiente para uma ida a uma ou várias livrarias na procura da novidade, obrigatoriamente, em primeira edição, o que nem sempre conseguimos. 

Acumulamos, assim, muitas dessas aquisições que passamos a eleger para férias ou viagens de forma perfeitamente casuística. Descobrimos maravilhas, baralhamos as intrigas, mergulhamos em incertezas de enredos surpreendente e enigmáticos. Auster era, a esse nível, imbatível. Fica prometido que as quase novecentas páginas de "Um Homem em Chamas" serão no próximo verão leitura, certamente surpreendente, de cabeceira... Peace!

terça-feira, 30 de abril de 2024

(RE)LIDO #124





















JOSÉ AFONSO - Eu Vou Pôr Lume e Ser de Vento 
Um Esboço Biográfico de Pedro Teixeira Lopes. 
Lisboa; SPA-Sociedade Portuguesa de Autores/{Glaciar}, 2023 
É assinalável a quantidade de livros e memórias sobre José Afonso editadas nos últimos anos. A juntar a algumas dessas novidades já por aqui destacadas, o fascínio pelo personagem remete para uma variedade de temáticas que contempla correspondência trocada, análise (necessária?) das palavras utilizadas nas letras das canções ou a abordagem a um suposto "triângulo mágico" em que girou a sua vida por Portugal, África e a Galiza. É só escolher. Foi o que fizemos. 

Para terminar o destaque iniciado no início deste mês comemorativo, nada como uma biografia leve e bem feita que se aconselha, desde já, a jovens à procura de uma introdução à vida de José Afonso. A publicação faz parte de um projecto editorial incluído no processo comemorativo do centenário da fundação da SPA-Sociedade Portuguesa de Autores (Maio de 1925), destacando o papel de alguns deles na afirmação da cultura portuguesa, do teatro (Vasco Santana) ao cinema (Manoel de Oliveira) passando pela música. A eleição de José Afonso é, claro, lógica, atendendo à criatividade e ao exemplo de liberdade que sempre pautou a sua conduta imperfeita mas única. O título do esboço, confessamos, apressou a selecção... 

Foi, pois, o "Eu Vou Pôr Lume e Ser de Vento" que, evocando, numa só frase, a luta e liberdade, nos despertou a atenção numa estante de livraria. Não a reconhecemos de imediato entre as letras originais de Afonso embora na canção "Qualquer Dia" do álbum "Contos Velhos Rumos Novos" (1969) parte do verso seja bem audível, sendo o restante inúmeras vezes usado em poesia ou narração. 

O metaforismo, que sugeria uma abordagem poética ou romanceada, é um ponto de partida curioso para se dar a conhecer, em onze partes, uma substancial panorâmica da vida de José Afonso em todas as suas fases e desenlaces, da infância ao adeus prematuro, tudo num desperto modo jornalístico que, no entanto, nas suas fontes e pesquisas, raramente contempla aspectos inéditos, contraditórios ou polémicos. Em noventa páginas de ritmada escrita, estamos, assim, perante uma compilação biográfica inteligente que, mesmo para todos os que já conhecem a história, mostra-se de eficácia instantânea e saborosa. 

UAUU #717

sábado, 27 de abril de 2024

SINGLES #56





















JOSÉ AFONSO 
Menina dos Olhos Tristes/Canta Camarada 
Porto: Orfeu SAT 803, 1969 
Uma notável fotografia, por nós desconhecida, ilustra um artigo evocativo dos cinquenta anos do 25 de Abril da edição digital do suplemento Babelia do jornal espanhol El País. Foi obtida pelo francês Gilles Peress da agência americana Magnum Photos e, apesar de não termos conseguido ler a peça na sua totalidade, só a imagem serve para nos encher a alma apoquentada - nela, sem data assumida mas que deverá referir-se à comemoração de 1º de Maio de 1974 em plena Lisboa e tendo como fundo um prédio alto de colchas nas varandas (Avenida Estados Unidos da América?), um grupo de pessoas de cravo ao peito e, na sua maioria, sorridentes, tem no seu centro uma jovem rapariga que eleva com vigor um V feito de cravos vermelhos. A sua expressão, de olhar fixo de alguma tristeza e o luto das suas vestes talvez significassem, na altura, uma homenagem a algum irmão ou primo a quem a guerra colonial, sem sentido, tirou a vida e a que a revolução, finalmente, poria então fim. 

Essa injustiça e crueldade há muito que tinham sido denunciadas em forma de canção - "Menina dos Olhos Tristes", que José Afonso escreveu no Algarve um ou dois anos depois da Guerra Colonial ter começado (1961), só seria editada em forma de single em 1969. A sua viagem e estadia para Moçambique em 1964 talvez tenha adiado a gravação, o que foi aproveitado por Adriano Correia de Oliveira para a lançar nesse mesmo ano. A canção foi de imediato proibida e conheceu posteriores versões de Luís Cília e Manuel Freire que podemos ouvir a contar a história no recente destacável digital que o jornal Público dedicou a algumas "canções que ajudaram Abril". 

É este o sete polegadas de José Afonso de que mais gostamos, talvez por ter sido o primeiro que ouvimos e que conhecemos, desde sempre, guardado no móvel do gira-discos cá de casa. Capa de imagem robusta com José Afonso soturno e pensativo numa fotografia do grande Fernando Aroso tirada, talvez, na mesma sessão das que fizeram capa das primeiras edições dos álbuns "Cantares do Andarilho" (1968) e "Contos Velhos, Rumos Novos" (1969), o tal onde Afonso, sentado à mesa de casa, tem a seu colo a filha Joana. 

Este disco não contempla "Menina dos Olhos Tristes" nem o lado B, o tradicional português "Canta Camarada" de chama bem mais festiva e apelativa. Os dois haveriam de emparelhar com outros dois originais, esses sim, incluídos em "Contos Velhos, Rumos Novos" ("Deus te Salve, Rosa" e "Lá vai Jeremias"), num EP posterior datado de 1970 e onde José Afonso aparece na capa numa fotografia ao ar livre tirada em Victoria Park, Londres, durante o "Festival of Life". 

A canção é, sem disfarces, uma bomba anti-guerra. Bastam os primeiros versos da autoria Reinaldo Ferreira (Barcelona, 1922 — Lourenço Marques, 1959) para se perceber a intenção interventiva e acusatória, embora não se saiba como é que José Afonso teve conhecimento do poema, se através de um jornal ou do original manuscrito. Com rapidez, a censura impediu a sua emissão radiofónica mas a chegada da chamada "Primavera Marcelista" (1968-1970), uma pequena e aparente abertura reformista, permitiu o seu lançamento comercial e a sua efectiva disseminação e efeito. Percebe-se porquê.

O brilho da viola de Rui Pato, o único instrumento utilizado, ganha neste tema uma dimensão monumental que a voz clara de José Afonso, em plena potência, acentua num dramatismo activo e metafórico sobre um problema inexplicável e que haveria de ferir de morte o regime já em decadência. A tal madrugada esperada de um dia inicial inteiro e limpo haveria de o fazer tombar. Afinal, talvez os olhos da menina da fotografia não estivessem só tristes mas também cheios de esperança num futuro... livre.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

SER LIVRE SEM SABER...

é isto a LIBERDADE!

(RE)LIDO #123





















ZECA AFONSO - BALADA DO DESTERRO 
de Teresa Moure e Maria João Worm 
Santiago de Compostela; aCentral Folque/Tradisom, 2023 
As biografias desenhadas são, como notado, uma tendência que se avoluma em qualidade e diversidade. No caso de músicos portugueses, a que se dedicou a José Afonso é, sem dúvida, bastante pertinente e actual, o que resulta numa edição cartonada de verdadeira novidade e algum risco inerente a toda e qualquer ficção. 

Estamos, assim, perante uma narração visual da vida de Afonso a que se acrescentam suposições e situações imaginadas por Teresa Moure, professora de Linguística na Universidade de Santiago Compostela que se habituou a publicar romances, poesia ou teatro e que tem, como muitos galegos, uma ternura e admiração pela obra do músico português. Fê-lo já sabendo que os diálogos e as sentenças se destinavam a ser ilustrados por Maria João Worm, artista lisboeta com ligação sentimental à Galiza e onde já obteve vários prémios. A distinção está marcada desde o início do álbum e é, até ao fim, uma notável surpresa para o olhar em jeito de vário cenários como cinematografados por um desenho apurado e incisivo. 

O jogo ou teatro de sombras aplicado tem no preto e branco do episódio primeiro, que romanceia a partida de barco para Moçambique e o abandono a que esteve sujeito, uma marca de estética quase desfocada e sombria que, de propósito, como que nos afasta e dilui de uma memória distante. O colorido quente que, logo de seguida, percorre a infância africana do cantor, estimula o leitor a uma contrastante felicidade que tanta influência teve em muitas das canções e ritmos de que Afonso nunca se separou e sempre se orgulhou. 

A narrativa, apesar de cronológica, vagueia depois de África noutras latitudes mas com centro na Galiza, Espanha, e nos concertos e amizades que por lá foi fazendo e onde se convergem ficções cruzadas no feminino, com referências às filhas do cantor ou aos difíceis casamentos em desabafos inventados mas que não deixam de reportar a importância da figura da mulher tantas vezes expressa pelo canto (p. ex. "Teresa Torga" ou "As Sete Mulheres do Minho") de forma sensível e atordoada. 

O enredo, de nítida inspiração documental e consulta prévia, não esquece o José Afonso lutador e resistente à censura, resiliente na prisão mas libertador e inspirador com "Grândola, Vila Morena", hino que na Galiza foi e é motivador de acções e causas políticas. Nas conversas imaginadas com amigas jornalistas (Begónia Moa) emerge uma intimidade ternurenta que a sofreguidão dos dias foi apagando e que a autora da história faz valer como de importância legítima para a percepção de uma vida venerada, mas por vezes esquecida, de uma vida intensa, mas onde se esconderam tantas dificuldades, de uma vida desprendida, mas de fama involuntária. 

É essa melancolia que arrastou até à morte, é essa virtude de modéstia que este livro, assumidamente falso ("Balada do Desterro" e não "Canção do Desterro"), consegue elevar, pelo desenho, no respeito e reverência a uma figura maior da vida portuguesa e, já agora, da vida galega. Esse país (não) chamado Portugalícia tem neste trabalho visual um exemplo perfeito de uma irmandade sócio-cultural inevitável e de que José Afonso, mesmo desiludido, haveria de ser o principal entusiasta. Um terra grande da fraternidade... é sempre em frente!

quarta-feira, 24 de abril de 2024

SALGUEIRO MAIA POP-ROCK!

Neste dia e hora, há cinquenta anos, já certamente o capitão Salgueiro Maia teria algumas indicações secretas quanto à marcha sobre Lisboa que realizaria na madrugada de 25 de Abril a partir de Santarém. Verdadeiro herói da revolução só muito tardiamente reconhecido, tem agora uma canção em sua homenagem por uns misteriosos Euriborges mas que se adivinham ser um grupo de amigos nortenhos reunidos num estúdio apetrechado... 

O tema "Canção do Salgueiro" têm música e letra de Carlos Tê que também assegura a produção ao lado de Mário Barreiros e Pedro Vidal. Barreiros é responsável pela mistura e masterização, pela bateria, guitarra eléctrica e teclados, cabendo a Pedro Vidal, director musical de Jorge Palma e parceiro dos Blind Zero e Wraygunn, outra guitarra acústica e eléctrica e também o banjo. Na canção participam ainda Rui David na voz, Patrícia Lestre na voz e violino, Paulo Gravato, saxofonista de Pedro Abrunhosa ou os Azeitonas e Rui Pedro Silva no trompete. A voz principal é de Carlos Monteiro. Viva o Salgueiro! 

terça-feira, 23 de abril de 2024

BEM GIL & MORENO VELOSO, Auditório de Espinho, 20 de Abril de 2024

O facto de Gilberto Gil e Caetano Veloso serem compadres, ou seja, terem casado algures com as irmãs Sandra e Dedé Gadelha, é só uma primeira coincidência de um emaranhado de linhagens que aproximou a família Gil à família Veloso. Se quiserem aprofundar o rocambolesco da história estejam à vontade, sendo certo que Bem, filho de Gil e Moreno, filho de Veloso, se tornaram primos e, embora de gerações diferentes, bons amigos. 

A amizade tem na música, nas canções, nos estúdios e nos discos uma contínua forma de vida e de entreajuda que multiplicou, desde sempre, contactos, parcerias, colaborações com mais músicos transformados, em muitos casos, noutros amigos. Esse espírito de partilha, que Moreno há muito praticou com Kassim ou Lancelotti no projecto +2 de boa memória, é caminho andado e experimentado para apostar numa digressão iniciada no Brasil em 2019 e que agora chegou a Portugal e a outros países europeus. 

Uma guitarra eléctrica e uma guitarra acústica foram os instrumentos principais que suportaram a maioria das canções. Ao centro, uma bicicleta ocupou o palco como símbolo do gosto de Moreno por este meio de transporte mas acabou por não ser utilizada (bem que era tentador). O desfile dos temas mereceu sempre contexto e explicação quanto aos tais amigos que pediram ajuda ou que ajudaram, tudo de forma informal, sincera e até humorística quanto a figurões como Marcos Valle, Domenico Lancelotti, Preta Gil, Jorge Mautner ou Adriana Calcanhotto mas também em homenagem aos pais cantores para o que contaram com a voz de Mãeana, esposa de Bem e também ela compositora, em "Sete Mil Vezes" e "Queremos Saber". 

Tudo junto, tudo misturado, o serão foi assim um mergulho bem-disposto e descontraído no caldeirão de ritmos em que a música brasileira fervilha, do samba à MPB, da marchinha à bossa-nova, variedade que estará, certamente, patente nos discos que ambos lançarão em breve de forma separada mas conivente. Notou-se, contudo, que o acerto de voz de Bem está ainda por calibrar mas que o de Moreno, muito mais experiente e timbrado, assentou perfeito em canções como "Um Passo à Frente" ou "Deusa do Amor", pérolas cantadas em coro e já em festa que aquele prato e faca usados à maneira, isto é, de forma gingona como só os baianos sabem fazer, multiplicou no balanço. Provado ficou, pois, que a música do Brasil será sempre um mundo maravilhoso e... bem moreno!

PATTI SMITH E SOUNDWALK COLLECTIVE, CORRESPONDÊNCIAS!















A nova colaboração entre os Soundwalk Collective e Patti Smith terá edição a 2 de Maio pela Bella Union. Trata-se de "Correspondences Vol. 1", um EP de dois temas resultantes de uma exploração comandada por Stephan Crasneanscki, mentor e recolector de sonoridades de paisagens, histórias, filmes ou vestígios que, todas juntos, permitem uma relação inovadora com a imagem. 

Trata-se da segunda parceria entre o projecto nova-iorquino e Smith, seguindo-se a "Peradam" editado em 2020 e onde colaboraram também Anoushka Shankar ou Charlotte Gainsbourg. Os dois novos temas, ambos apresentados na brilhante perfomance minhota de Março passado, são "Medea" e "Pasolini", este agora oficialmente audível.

segunda-feira, 22 de abril de 2024

ELEPHANT9, PROG TOP!

















O trio norueguês Elephant9 é um fenómeno tão brutal que merece que aqui se fixem os nomes dos seus três resistentes e lutadores: o (mais que) teclista Stale Storløkken, o baixista Nikolai Hængsle e o baterista Torstein Lofthus. São eles os autores e fazedores de dez álbuns de jazz rock + prog rock + psico + acid rock + "eu sei lá" que tem agora o novo vaivém "Mythical River" em aterragem vindo de uma já antiga órbita circular que se acentua, como convêm, em trajectória progressiva. 

Claro que haverá sempre quem os acuse de copiar o que há cinquenta anos se fazia analogicamente e de forma inédita, mas um desiderato instrumental deste calibre acabará sempre por ser imune a comentários e questiúnculas ridículas pois o que se dá a ouvir, feito à moda antiga, poderá não ser para todos mas todos o deveriam ouvir. 

Tal como no anterior e também aconselhável trabalho "Arrival Of The Elders", o carisma e a exploração sonora brotam outra vez em seis peças de cosmometria e hipnotismo remarcáveis que induzem o ouvinte num futurismo inigualável e viciante. Prog top e de capa, como sempre, geométrica!



SLEATER-KINNEY DE SECRETÁRIA!

sábado, 20 de abril de 2024

LIANNE LA HAVAS, CHARME NO CLUBE!





















É uma das nossas perdições antigas que, infelizmente, ainda não presenciamos ao vivo. A lacuna tem os dias contados até Julho, mês em que Lianne La Havas marcou duas datas em Lisboa e Porto (16 de Julho, Hard Club) para espalhar encantamento e muito charme. Já há bilhetes.

AROOJ AFTAB, MARCA DE PERFUME!





















Para Arooj Aftab imaginar um digno sucessor do monumental álbum "Vulture Prince" de 2021 não se afigura tarefa facilitada. Certo é que ele já tem nome ("Night Reign"), data (31 de Maio), selo (Verve Records) e anúncio ("Raat Ki Rani"), o primeiro single que conta com video a cargo da actriz, e também cantora, Tessa Thompson. 

No regresso aos originais não faltam diversas ajudas amigas como a da guitarra de Kaki King e do piano de Vijay Iyer, parceiro no álbum "Love in Exile", ao lado de Shahzad Ismaily, editado o ano passado. Mantêm-se a magia do canto em urdu, língua paquistanesa e indiana de maravilhoso hipnotismo, mas há desta vez três peças em inglês. O perfume, esse, continua intenso, aceitando-se encomendas, mais uma vez, exclusivas e prateadas a partir de hoje

ANDREW BIRD, TRIO JAZZ!

Faltava a Andrew Bird um experiência jazz, isto é, uma investida cooperativa em alguns standards ao lado do baterista Ted Poor e do baixista Alan Hampton. O trio reuniu-se na Califórnia, mais concretamente no Valentine Recording Studio, para ensaiar e registar temas de Chet Baker ("I Fell In Love To Easily"), Duke Ellington ("Caravan"), Rex Harrison ("I've Grown Accustomed To Her Face", tema popularizado por Nat King Cole), Cole Porter ("You’d Be So Nice to Come Home To") e outros de inspiração nostálgica retirados do chamado "Great American Songbook". 

O resultado final é "Sunday Morning Put-On" que sai a 24 de Maio pela Lomo Vista Rcordings, no qual o saxofone é substituído pelo violino e a voz tão característica de Bird. O disco tem ainda contribuições de Jeff Parker na guitarra e Larry Goldings no piano e encerra com "Ballon de peut-être", o único original entre as dez versões. Está a partir de hoje, Record Store Day, em pré-encomenda exclusiva em vinil translúcido avermelhado.



quinta-feira, 18 de abril de 2024

RECORD STORE PRAY 2024!

Da imensidão de edições exclusivas prevista para o próximo sábado, dia das chamadas lojas de discos, retiramos da lista uma simples mão cheia de sete polegadas interessantes. O RSD - Record Store Day é, pois, cada vez mais uma (des)ilusão abusiva e... cara!